Na semana passada, Andressa Garcia, 26 anos, passou uma madrugada inteira em claro. Deitada em sua cama, assistiu a centenas de vídeos curto...
Essa prática já é conhecida há anos, mas se tornou fonte de renda de pessoas desempregadas na pandemia, como é o caso de Andressa. Desocupada, a vendedora de roupas e cabeleireira acessa diariamente o Kwai, app de vídeos curtos, além do TikTok e do PayPal.
Ela, porém, conseguiu juntar apenas pouco mais de R$ 6 naquela madrugada. “Eu fiz aquilo porque precisava comprar pelo menos pão e suco para as crianças na manhã seguinte. Mas o dinheiro caiu dois dias depois. Elas acordaram e não tomaram café da manhã”, diz.
Cada um vende seu peixe
Mãe solo de quatro filhos, Andressa ficou interessada nesses programas após ver publicações pipocarem todo dia nas redes sociais. No Facebook, há dezenas de grupos voltados para esse interesse, o maior deles com mais de 90 mil usuários.
Essas páginas são parecidas com feiras de rua, onde feirantes falam alto para vender seu produto de maneira atrativa ao cliente. A diferença é que ali milhares de pessoas (perfis reais e fakes) enviam links e indicações para cadastro em aplicativos em todas as publicações para serem remuneradas por essas empresas.
Entretanto, Andressa relata que essa experiência tem sido pouco vantajosa. Em pouco mais de três meses, calcula ter recebido R$ 20. Desse modo, o dinheiro é usado para comprar alimentos ou crédito de internet.
Ela recebe R$ 212 de Bolsa Família por mês e R$ 202 de vale-refeição da prefeitura de São Paulo, insuficientes para pagar o aluguel de R$ 500 da casa onde vive, no Jardim Tremembé, zona norte.
Quando os olhos cansam, ela passa o celular para a filha mais velha, Manuela, de 9 anos, que gosta de assistir a vídeos de maquiagem. “Eu uso internet, assisto, assisto e assisto para ganhar tão pouco. Desanima demais”, desabafa.
Atualmente, sua expectativa é ser aprovada em uma entrevista de emprego que fez no fim de 2020.
Da desconfiança ao dinheiro na conta
Para Thiago Henrique Tofanin, 19 anos, o abre e fecha de aplicativos tem sido lucrativo, mas já teve dias melhores. Ele conheceu essas opções em 2019, antes de chegar à vida adulta. No início, duvidava que fosse verdade, mas decidiu se arriscar.
Da desconfiança ao dinheiro na conta
Para Thiago Henrique Tofanin, 19 anos, o abre e fecha de aplicativos tem sido lucrativo, mas já teve dias melhores. Ele conheceu essas opções em 2019, antes de chegar à vida adulta. No início, duvidava que fosse verdade, mas decidiu se arriscar.
À época sem emprego, morava em uma favela em Ribeirão Preto (SP) com a esposa, Raiani, da mesma idade. Ele viu tutoriais na internet, começou a indicar aplicativos para vizinhos e depois em grupos de Facebook e WhatsApp.
Tofanin acordava cedo e virava a noite entre indicações e missões. Ele conta que ganhava, em média, R$ 1.800 por semana. O jovem divulgava códigos e links para pessoas do Brasil e do mundo, como Estados Unidos, Portugal e Paraguai. “Eu traduzia o texto no Google e enviava para eles”, afirma, aos risos.
Com a remuneração, mudou-se para Batatais, cidade do interior paulista. A renda com os aplicativos, contudo, caiu nos últimos meses. Primeiramente, porque conseguiu um bico como servente de obras. Depois, reparou que a quantidade de interessados nessas promessas tentadoras aumentou consideravelmente nos meses de pandemia.
Hoje, Tofanin relata que fatura R$ 800 por semana. Ele divide o celular com a esposa, que cumpre missões e jogos enquanto o marido trabalha fora. O aparelho tem mais de 20 aplicativos que são acessados constantemente.
O trabalho como servente paga menos da metade do que ele consegue na internet. “Antes de entrar [nos apps], eu cheguei a passar fome. Hoje tem mais concorrentes. Se eu ganhar R$ 100 por dia, é melhor do que nada. Não reclamo, ganho de um jeito fácil. Antigamente, usava o dinheiro para manter a casa, hoje eu guardo no banco.”
Uma realidade chamada golpe
No entanto, nem tudo é tão fácil como parece. Tofanin já foi vítima de golpes em algumas ocasiões. Para ser remunerado em algumas missões, os aplicativos pedem que os usuários façam transferências bancárias para serem pagos.
É aí que entram as pequenas fraudes, quando pessoas desconhecidas realizam movimentações financeiras de R$ 5 ou R$ 10, e o golpista bloqueia o perfil da pessoa assim que o dinheiro cai na conta.
De acordo com o coordenador do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Diogo Moyses, é preciso ter cuidado em situações desse tipo.
“O consumidor deve ficar atento e não processar qualquer movimentação financeira caso não tenha convicção de que o interlocutor é de confiança e de fato representa a empresa. É importante entrar em contato com a empresa para checar se de fato trata-se de um representante credenciado”, diz.
Moyses acrescenta que as empresas podem ser responsáveis por golpes do gênero. O primeiro passo é registrar um boletim de ocorrência e notificar a companhia.
“A empresa precisa fazer as correções necessárias ou até cessar as ações em função dos prejuízos que está gerando a terceiros. Se for o caso, [o cliente] pode solicitar o reembolso dos valores subtraídos do consumidor. Se a empresa se negar a fazer isso, o consumidor deve buscar o Procon e, em última instância, o Juizado Especial.”
Mesmo com ameaças, Tofanin diz que está mais atento a trapaças. Só faz transações financeiras se for pessoalmente, frente a frente, de preferência conhecida. Para ele, os ganhos são maiores que as perdas, sobretudo com o desemprego em alta. “Eu falo que as pessoas têm que usar baixar e aproveitar enquanto nos pagam”, finaliza.
Por Metrópoles