A prefeitura de Bertioga contou com uma ajuda inusitada durante as barreiras montadas na estrada para dificultar o acesso dos turistas ao li...
Costa mora perto da rodovia e notou o movimento intenso de veículos. “A gente fica indignado. Moramos do lado da praia e não podemos ir até lá. Essas pessoas acham que podem vir, fazer esse tumulto e infectar a gente?” O morador teve a ajuda dos vizinhos David Soares, de 42 anos, e Priscila de Paula, de 32, para montar o vestuário.
Costa já tinha uma capa preta em casa e pegou emprestada a bota de Soares. A cruz, que completa o figurino, foi feita por Priscila. “Vimos uma fila enorme de carros, o pessoal brigando no trânsito, e tivemos essa ideia. Não era para esse povo todo estar desrespeitando as normas e a vida”, diz Soares.
A prefeitura de Bertioga conta que fez cerca de 9 mil abordagens aos veículos e que 639 voltaram à cidade de origem.
Assim como em Bertioga, as barreiras sanitárias feitas no acesso a cidades e decretos proibindo a utilização de praias não foram suficientes para impedir a chegada de turistas a outras praias do litoral paulista. O feriadão de dez dias tem como finalidade diminuir a circulação de pessoas e frear a disseminação do coronavírus.
Moradores das cidades litorâneas temem que o fluxo de turistas piore a situação da pandemia. Em São Sebastião, a prefeitura fez mais de mil testes rápidos em motoristas e passageiros que entravam na cidade entre sexta-feira e a manhã de sábado. Destes, 28 testaram positivo para a covid-19 e foram orientados a retornar às cidades de origem. Os canais de ouvidoria do município receberam 34 denúncias de desrespeito às restrições. Em Guarujá, 872 veículos foram impedidos de entrar e outras 30 pessoas que foram de balsa à cidade acabaram sendo barradas no fim de semana. Equipes de fiscalização vistoriaram 436 comércios e sete estabelecimentos náuticos. Já em Caraguatatuba, 23 denúncias de desrespeito às medidas de restrição foram atendidas pela prefeitura.
Para comerciantes, movimento não tem sido suficiente
Os comerciantes, por outro lado, dizem que o movimento está muito mais baixo que o normal. Com as medidas restritivas impostas nas cidades do litoral, donos de restaurantes, hotéis e padarias viram o movimento despencar nesta primeira semana de lockdown.
“Meu movimento caiu 90% na fase vermelha e no lockdown está quase zero. Sem trabalhar sábado e domingo então, aí que piorou mesmo. Esse lockdown está errado, porque você vai ao supermercado na sexta-feira e está lotado, o pessoal andando dentro de ônibus cheio. Eu, por exemplo, tenho dezoito mesas e podia trabalhar com oito e no lockdown nada. Tentei atender no delivery no final de semana, mas foi muito fraco, tanto que no domingo nem abri. Tenho 21 funcionários, mas vou reduzir, já conversei com uns quatro porque não tenho como pagar”, disse Manoel França, 62 anos, dono de uma padaria na Ponta da Praia, em Santos.
Durante o lockdown, mercados e padarias só podem abrir de segunda a sexta-feira até as 20 horas e nos finais de semana atender apenas no delivery. Essa medida fez com que grandes filas se formassem nos mercados na última sexta-feira, 26.
“Trabalhei no final de semana com o delivery e o movimento foi mais ou menos, menor que o de outras semanas. A pandemia piorou, o pessoal não sai tanto na rua, com isso o movimento cai”, contou o entregador Isaac Santos, 24 anos.
O proprietário de uma quitanda em Santos, Manoel dos Anjos, de 71 anos, sentiu a queda de movimento durante esta semana, mas admitiu que as medidas mais restritivas são necessárias para o bem da população. “O meu movimento é automaticamente atingido pelo lockdown. O povo está se resguardando, não está saindo nas ruas devido às medidas que foram implantadas pelo prefeito da cidade. Vale a pena, porque esse povo que está na rua é porque ainda não sentiu o problema dentro da sua casa. A lei é para ser obedecida”, admitiu. “O fluxo de vendas diminuiu fisicamente, mas pelo delivery continua a mesma coisa. Meu freguês é o do dia a dia, é da área, já estou aqui há 35 anos.”
Já Horácio dos Santos, de 78 anos, dono de um empório, admitiu não ter opinião formada em relação ao lockdown, mesmo sofrendo com o baixo número de vendas durante a pandemia. “Sinceramente não tenho opinião formada sobre isso, só sei que é muito ruim para os comerciantes que trabalham para sobreviver, mas pelo que a ciência fala, que só tem esse jeito de diminuir o contágio, não sou a favor e nem contra. Temos 32 funcionários e como o café da parte de cima está fechado, trouxemos as pessoas que trabalham lá aqui para baixo, conta. “Vamos levando e nos adaptando. O delivery deu bastante movimento, mas não é a mesma coisa com a loja funcionando normalmente.”
Além dos comerciantes com empreendimentos fixos, os ambulantes também estão sofrendo com as medidas mais restritivas, já que com elas o fluxo de veículos nas ruas diminui em relação às outras fases do Plano São Paulo.
“Está devagar pra todo mundo, essa semana está pior, não tem carro na rua. O final de semana também foi fraco. Em um dia bom de trabalho levo de R$ 50 a R$ 60 para casa, sábado eu não vendi nada e hoje vendi pouca coisa”, disse o vendedor de panos Luiz Dias, de 47 anos.
Os trabalhadores autônomos também enfrentam dificuldade para se manter durante o lockdown, pois com a vigência das medidas mais restritivas, muitos setores de serviços foram atingidos. É o caso do pintor Raimundo dos Santos, 56 anos, morador da Caneleira, em Santos. Ele criticou o megaferiado em São Paulo, já que muitas pessoas vêm ao litoral e enquanto isso ele não pode nem trabalhar.
“Acho que é errado fechar tudo, faço uns bicos como pintor, mas mandaram parar por causa do lockdown. Sem esse serviço não tenho renda e dependo da ajuda das minhas irmãs. Não acho correto dar feriado em São Paulo, porque as pessoas vêm para cá, ficam na rua e não podemos nem trabalhar”, criticou o pintor.
Durante o lockdown, a rede hoteleira só pode funcionar para atender clientes corporativos. Turistas não são permitidos e esta medida afetou diretamente o movimento nos hotéis e pousadas da região.
“No final de semana tivemos dois clientes corporativos, mas a procura está muito fraca. O pessoal está ligando e perguntando se a praia está fechada e falamos que sim, que tem barreira e eles respondem que não vêm. Em um final de semana com sol ocupávamos 100% dos nossos leitos e num final de semana ruim preenchíamos 50% da nossa capacidade. O lockdown piorou o movimento, pois na fase vermelha ainda vinha um ou outro, agora com o lockdown o pessoal não tá conseguindo nem entrar na cidade”, contou a responsável administrativa de um hotel na praia do Tombo, em Guarujá, Isabella Santana, de 27 anos.
Além disso, o hotel, que contava com 14 funcionários, está com apenas seis, já que por conta de questões financeiras a administração não conseguiu mantê-los.
Isabella conta ainda que mesmo durante este período de maiores restrições as pessoas os procuram para perguntar se a praia está funcionando ou não.
“O pessoal está nos procurando bastante, perguntando se esse final de semana já pode usar a praia e explicamos que só na semana que vem. Esperamos que o movimento seja maior com a vacina no segundo semestre.”
Quando questionada se acha a medida do lockdown correta ou não, a administradora admitiu que as restrições são necessárias, mas lamentou não conseguir trabalhar.
“Ficamos ali no meio-termo, porque entendemos que precisa conter a covid-19 já que tem muita gente morrendo. A gente vê o sofrimento do pessoal da saúde, mas ao mesmo tempo nos vemos muito prejudicados porque somos da área do turismo e por conta disso estamos sendo muito afetados, para a gente é desanimador”, finalizou.
Fonte: M